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Empresário que está foragido também é investigado por calote após cancelar festival de rock

Dono de uma produtora de eventos, o empresário Saulo Ferreira Melo, de 34 anos, que está foragido por violência doméstica, entrou na mira da polícia após cancelar shows e não devolver valores de ingressos. Ele alega inocência

Mareu Araújo

Publicado: 16/05/2025 às 18:05

Saulo em maio de 2024 em Paris, na França/Foto: Reprodução redes sociais

Saulo em maio de 2024 em Paris, na França/Foto: Reprodução redes sociais

Foragido pelos crimes de estelionato, ameaça e violência doméstica, o empresário Saulo Ferreira Melo, de 34 anos, também é investigado pela Polícia Civil de Pernambuco por supostamente sumir com o dinheiro dos ingressos de um festival de rock no ano ado. Ele alega inocência em todas as acusações.

O caso do suposto golpe é referente ao Rock Re, evento que prometia levar astros da música brasileira para Olinda, no Grande Recife, em julho de 2024, e foi cancelado na véspera dos shows. O inquérito, instaurado na Delegacia do Consumidor, ainda está em andamento.

Com ingressos à venda por até R$ 260, em lojas físicas e plataformas digitais, o Rock Re era uma iniciativa da Agittos Promoções e Eventos, a produtora de Saulo. A line-up divulgada incluía nomes como Pitty, Barão Vermelho, Raimundos e Biquini Cavadão.

O festival, que havia sido anunciado para 19 de julho de 2024, teve o cancelamento anunciado em um post da produtora, no Instagram, no dia anterior – o que pegou o público de surpresa. A mensagem também prometia reembolso em até 30 dias. Parte dos clientes, no entanto, diz nunca mais ter visto esse dinheiro.

Por causa do episódio, Saulo enfrenta mais de dez ações de cobrança no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). Em meio às acusações de calote, o empresário deixou o Brasil. Atualmente, ele estaria morando nos Estados Unidos.

Foi ao investigar o caso do festival que o Diario de Pernambuco descobriu que o empresário também enfrentava outras sete ações criminais no TJPE – quatro delas por ocorrências ligadas a violência doméstica e familiar. Ele foi alvo de mandado de prisão preventiva, emitido em 28 de abril, acusado de agredir e contrair dívida milionária no nome de uma ex-mulher. Ele nega a acusação.

“Há indícios de autoria bastante significativos, como se infere no boletim de ocorrência registrado perante a autoridade policial, permitindo a essa magistrada concluir pela imprescindibilidade da decretação da prisão preventiva”, registra a juíza Catarina Vila-Nova Alves de Lima, do TJPE, ao decretar a prisão preventiva.

Quem é Saulo Ferreira

Amigo de famosos, Saulo costumava ostentar uma vida de luxo nas redes sociais, antes de entrar no radar da polícia. Nas fotos, o empresário aparecia em viagens internacionais ou restaurantes caros, usando marcas de grife e carros importados. Hoje, os perfis dele e da produtora estão desativados.

Em uma das viagens à Europa, em fevereiro de 2024, o empresário visitou o restaurante Alma, do chef Henrique Sá Pessoa, em Lisboa, Portugal. “Experiência muito incrível! Menu degustação impecável”, escreveu no Instagram. O menu custa 185 euros, ou R$ 1.170,89 na atual cotação.

Em 2021, o empresário até fez uma festa para comemorar a vitória de Paolla Oliveira na “Super dança dos famosos" no Rio de Janeiro. Conforme mostram reportagens da época, o evento aconteceu na casa de Diogo Nogueira, cantor de pagode e marido da atriz. Também estiveram presentes o músico Jorge Vercillo e a humorista Dadá Coelho.

Com a Agittos, o empresário chegou a promover eventos de grande público no Grande Recife, como a Cabo Fest, a Recife Trap e a Noite dos Namorados com Tiago Iorc. O último festival assinado pela produtora, que está com as atividades paralisadas, foi justamente o fiasco do Rock Re.

 

Cobrança na Justiça

A analista de qualidade Shakira Mariana Ferreira, de 25 anos, está entre as pessoas que compraram ingresso do festival e foram à Justiça para cobrar o prejuízo. “Eu aguardei [o reembolso], tranquila, mas o dinheiro não entrou”, afirma.

Segundo conta, ela pediu o estorno à Bilheteria Digital, plataforma online de vendas de ingressos, que figura como réu em parte dos processos. “Eles informaram que a responsabilidade direta era da produção do evento”, diz. Saulo e a Agittos não teriam respondido à cliente até hoje.

Quase um ano após o calote, as vítimas também têm sofrido com processos travados na Justiça. A maior dificuldade é que os oficiais de Justiça simplesmente não conseguem localizar o empresário para notificá-lo. “As audiências não acontecem porque [a Justiça] não consegue encontrá-lo [Saulo] e intimá-lo. Essa é a grande frustração da maior parte das pessoas”, diz Shakira.

Cenário semelhante é descrito pela advogada Anthéa Agostinho, de 35 anos, que comprou dois ingressos do Rock Re e tenta reaver o dinheiro. “A situação é obscura”, diz. “A empresa está ativa no CNPJ, tem endereço, mas ninguém encontra Saulo ou a Agittos. E não é só o meu processo que está com esse problema”.

Para pressionar pela devolução do dinheiro, as vítimas criaram um página no Instagram, chamada “Lesados do Rock Re”, que reúne mais de 200 seguidores. Em paralelo, os es formaram um grupo de WhatsApp, com ao menos 30 pessoas que processam Saulo e a Agittos. O objetivo é trocar orientações e se manter informado do andamento de cada caso.

No dia 8 de julho de 2024, poucos antes de cancelar o festival, Saulo abriu um novo CNPJ para outra produtora, com praticamente o mesmo nome da anterior. Trata-se da “Agittos Produções e Eventos”, em vez de “Agittos Promoções e Eventos”.

“O risco é ele reaparecer com outra empresa, mudar de nome nas redes sociais e fazer tudo de novo”, diz uma das vítimas, que preferiu não se identificar e declara ter sofrido prejuízo de R$ 1,5 mil.

O quem dizem as empresas

Procurado, o empresário enviou nota ao Diario de Pernambuco na quinta-feira (15). No texto, diz que os clientes “têm total direito ao reembolso” e atribui a culpa a outros envolvidos no festival.

“Desde o início, parte do reembolso foi feita com o saldo que havia em caixa, e a ausência de defesa até aqui se deu por respeito aos consumidores, pois a intenção sempre foi resolver a situação da forma mais justa possível”, afirma o texto.

No comunicado, ele acusa a cantora Pitty de não ter devolvido pagamentos feitos. “Os valores de R$ 60.000,00 (cachê) e R$ 10.000,00 (carreta) foram pagos com o próprio dinheiro da bilheteria do evento. A artista, no entanto, se recusou a devolver os valores mesmo após o cancelamento, alegando ter sido em cima da hora”, diz. A reportagem tentou contato com a artista, que não respondeu.

“É importante esclarecer que o cancelamento ocorreu por decisão unilateral da outra parte do evento, o que inviabilizou a montagem adequada”, segue o empresário, na nota. “Temos respeito pela Bilheteria Digital, empresa séria e parceira de longa data. No entanto, neste caso específico, ficou com R$ 74.000,00 da bilheteria que não foram antecipados para a Agittos, e esse valor já poderia ter sido utilizado nos reembolsos.”

Procurada, a Bilheteria Digital sustenta que a gestão financeira e os valores recolhidos com o Rock Re era de responsabilidade da Agittos, mas a produtora “ainda não forneceu informações concretas sobre os reembolsos". A empresa também diz que tem “atuado de forma diligente, prestando e aos clientes, assim como tomando as medidas jurídicas para recuperar o dinheiro e efetivar as devoluções”.

No texto, Saulo também diz que o novo CNPJ da Agittos “já foi baixado”. “A Agittos está com as atividades paralisadas desde o ano ado por conta da instabilidade do mercado e do acúmulo de prejuízos nos últimos eventos”.

O empresário também foi questionado sobre os casos de violência doméstica e negou as acusações. Ele não informou se vai voltar ao Brasil para cumprir a ordem de prisão expedida.

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