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Vida Urbana
Estudo

Dia Mundial do Meio Ambiente destaca o reaproveitamento das águas pluviais contra inundações

Estudo recente do Instituto Trata Brasil, em parceria com a GO Associados, alerta para a urgente necessidade de modernização e integração dos sistemas de drenagem urbana no país

Larissa Aguiar

Publicado: 05/06/2025 às 10:28

Parque alagável no Recife/Rafael Vieira/DP

Parque alagável no Recife (Rafael Vieira/DP)

No Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado em 5 de junho, a reflexão sobre práticas cotidianas que contribuem para a sustentabilidade e a proteção urbana ganha ainda mais relevância. Entre essas práticas, o reaproveitamento e o tratamento das águas pluviais despontam como soluções essenciais para mitigar os efeitos devastadores das enchentes, sobretudo em cidades brasileiras vulneráveis como Recife e outras regiões de Pernambuco.

Um estudo recente do Instituto Trata Brasil, em parceria com a GO Associados, alerta para a urgente necessidade de modernização e integração dos sistemas de drenagem urbana no país, evidenciando os desafios e avanços locais na gestão das águas da chuva.

O modelo tradicional de drenagem urbana no Brasil, herdado dos planos higienistas do século ado, focava exclusivamente no rápido escoamento da água para evitar doenças. Contudo, essa abordagem desconsiderou a importância dos ciclos naturais da água e da sustentabilidade ambiental, resultando em sistemas insuficientes para as demandas atuais, especialmente em cidades tropicais e de crescimento acelerado como Recife.

O estudo revela que a precariedade desses sistemas intensifica os riscos de enchentes, alagamentos e deslizamentos, trazendo prejuízos que atingem diretamente a mobilidade urbana, a saúde pública e a economia local.

 

Drenagem

Pernambuco, com suas chuvas de verão cada vez mais frequentes e intensas, fenômeno agravado pelas mudanças climáticas, enfrenta o desafio de um sistema de drenagem que ainda não acompanha essas transformações. A impermeabilização crescente do solo nas áreas urbanas dificulta a absorção natural das águas da chuva, sobrecarregando as redes de drenagem e expondo a população a riscos elevados.

Dados do Atlas Digital de Desastres no Brasil apontam que 74% dos desastres naturais entre 1991 e 2023 foram provocados por chuvas intensas, com Pernambuco sofrendo impactos contínuos de enchentes urbanas que comprometem a qualidade de vida.

Além disso, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) destaca que aproximadamente metade dos municípios brasileiros, incluindo a capital pernambucana está em risco alto ou muito alto para eventos hidrológicos extremos até 2030.

Apesar disso, a drenagem urbana segue como o similar do saneamento básico, incorporada oficialmente apenas em 2007 pela Lei nº 11.445, e ainda atuando de forma isolada, sem integração adequada com outras áreas essenciais como abastecimento de água, esgotamento sanitário e manejo de resíduos sólidos.

Capital

No Recife, a situação ganha contornos ainda mais complexos devido ao acúmulo constante de lixo nas ruas, que entope bueiros e galerias pluviais, além do uso inadequado das redes com águas pluviais despejadas na rede de esgoto agravando a sobrecarga e aumentando riscos ambientais e à saúde pública.

Segundo a Prefeitura do Recife, são realizadas ações permanentes de limpeza e manutenção das galerias, canaletas, pontilhões e contenção de encostas, além de campanhas de educação socioambiental para sensibilizar a população sobre o descarte correto do lixo.

Para enfrentar esses desafios, o estudo do Trata Brasil recomenda políticas públicas integradas que adotem o planejamento urbano sustentável e a infraestrutura verde soluções que já comprovam eficácia internacionalmente, como os sistemas SUDS no Reino Unido e o LID nos Estados Unidos. Em Recife, iniciativas como a construção de reservatórios subterrâneos na Imbiribeira, o perfilamento do Rio Tejipió e a criação de parques alagáveis exemplificam o caminho para a resiliência urbana.

A Prefeitura do Recife destinou para 2025 cerca de R$ 322,9 milhões para ações voltadas a minimizar os impactos das chuvas, incluindo contenção de encostas, urbanização de comunidades vulneráveis e mitigação dos pontos críticos de alagamento. Os reservatórios subterrâneos em construção no bairro da Imbiribeira têm papel estratégico na retenção e liberação controlada das águas pluviais, reduzindo picos de vazão que causam enchentes.

Parques alagáveis, como o inaugurado em novembro de 2024 entre os bairros de Areias e Ipsep, ilustram outra estratégia importante. Projetados para funcionar como áreas de lazer em períodos secos e bacias de retenção durante chuvas intensas, esses parques são elementos da infraestrutura verde que ajudam a reduzir o volume de água que chega rapidamente aos sistemas de drenagem.

Leis e investimentos

No âmbito legislativo, a lei 14.546/2023, sancionada recentemente, reforça a importância do aproveitamento das águas pluviais e das águas cinzas provenientes de uso doméstico não potável para atividades como paisagismo, agricultura e indústria.

A legislação exige tratamento adequado para garantir a segurança do uso e determina que as redes hidráulicas para captação e armazenamento dessas águas sejam distintas da rede pública de abastecimento, promovendo o uso sustentável e reduzindo a pressão sobre os sistemas convencionais.

Apesar desses avanços, o estudo aponta que apenas 40% dos municípios brasileiros possuem sistemas exclusivos para drenagem e somente 5,3% contam com Plano Diretor de Drenagem ferramenta essencial para a prevenção eficiente de enchentes. Em Pernambuco, esses índices são ainda mais baixos, revelando uma lacuna estrutural que exige atenção urgente.

Outro ponto crítico identificado é o financiamento do setor. Dos R$ 10 bilhões investidos anualmente em drenagem urbana no Brasil, o valor é insuficiente frente aos R$ 22 bilhões estimados para universalizar e garantir a qualidade dos serviços. Em Recife, onde a vulnerabilidade é alta, a carência de aportes robustos limita a modernização das redes e a implementação de soluções inovadoras.

Para especialistas, o futuro da gestão das águas pluviais em Pernambuco e Recife a pelo fortalecimento da governança municipal, a ampliação dos investimentos estruturados, a implementação de planos diretores de drenagem, o uso intensivo da infraestrutura verde e a articulação entre União, Estado e municípios.

A transparência, a participação social e o planejamento integrado que respeite as bacias hidrográficas são elementos essenciais para romper o ciclo histórico de enchentes e construir cidades mais resilientes às mudanças climáticas.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reforça esses desafios: quase 99% dos municípios são responsáveis pela drenagem, mas poucos dispõem de equipes técnicas especializadas e contratos formais que garantam a qualidade dos serviços. A infraestrutura, especialmente a macrodrenagem capaz de controlar grandes volumes de água é precária, com menos de 5% dos municípios contando com esse recurso.

No Recife, o programa ProMorar exemplifica um modelo de gestão integrada, com obras estruturadas, parcerias com universidades e startups para inovação e um esforço permanente de diálogo com as comunidades afetadas. A cidade mantém um calendário rigoroso de limpeza de canais e galerias, remoção de resíduos e monitoramento constante dos pontos críticos, buscando minimizar os impactos das chuvas mesmo fora da temporada de inverno.


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