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FESTIVAL DE CANNES

'Sentimental Value' chega forte na disputa pela Palma de Ouro

Drama do diretor norueguês Joaquim Trier, de 'A Pior Pessoa do Mundo', foi o mais aplaudido da 78ª edição do evento que encerra neste fim de semana

André Guerra - Enviado especial

Publicado: 22/05/2025 às 09:10

Filme vem sendo apontado como um dos fortes concorrentes ao próximo Oscar/NEON/Divulgação

Filme vem sendo apontado como um dos fortes concorrentes ao próximo Oscar (NEON/Divulgação)

Desde o anúncio da seleção oficial, uma das estreias mais antecipadas do Festival de Cannes 2025 era Sentimental Value, novo longa-metragem do diretor Joaquim Trier (do indicado ao Oscar A Pior Pessoa do Mundo). O que a imprensa dificilmente poderia prever é que este singelo drama metalinguístico cheio de senso de humor seria com folga o mais aplaudido filme do evento que começou no dia 13 e anunciará seus premiados neste sábado (24).

As reações apaixonadas ao filme são fáceis de compreender, já que ele une o que há de mais delicado e humano nos trabalhos recentes do cineasta norueguês com aquilo pelo qual a cinefilia mais cultiva apreço: a celebração da força unificadora do próprio cinema. E isso é apenas parte do que faz deste trabalho um dos mais fortes concorrentes à Palma de Ouro, além de boa aposta para a temporada de premiações de Hollywood.

Na trama, duas irmãs, Nora (Renate Reinsve, que venceu o prêmio de Interpretação Feminina em Cannes em 2021 por A Pior Pessoa do Mundo) e Agnes (Inga Ibsdotter Lilleaas), estão distantes do pai, Gustav (Stellan Skarsgård), desde que ele as deixou para seguir uma prestigiada carreira de diretor de cinema. Após a morte da mãe, elas decidem vender a casa, mas descobrem que a mesma está também no nome de Gustav, que, em fase decadente da carreira, pretende filmar um projeto autobiográfico utilizando o imóvel como cenário.

Esteticamente, Sentimental Value lembra bastante os últimos longas de Trier, especialmente na maneira como mantém um rigor impressionante na radiografia dos cenários enquanto parece sempre deixar os atores muito soltos para se surpreenderem com as próprias emoções. É dessa sensação de imprevisibilidade nos gestos e reações, sobretudo, que o filme tira seu humor inteligente e sarcástico, mas não raro tocante.

Ver a tentativa de aproximação torta e peculiar, mas verdadeira, por parte de Gustav — que Stellan Skarsgaard interpreta com um magnetismo que pode facilmente levá-lo adiante na temporada de premiações da indústria — já é por si só testemunhar uma belíssima construção emocional, respaldada pela igualmente sublime Renate Reinsve, que converte mágoa e busca por afeto, raiva e ânsia por reconhecimento. A participação de Elle Fanning como a atriz hollywoodiana que iterpretará a protagonista no filme dentro do filme é pontual, mas gera um dos momentos mais bonitos, e aquele em que o tema da força da arte é revelado de maneira mais explícita.

A sensibilidade e a delicadeza da direção, do texto e das atuações de Sentimental Value o esquivam da obviedade piegas de dar essa dimensão tão humana ao cinema e à criação artística. Herdeiro de Ingmar Bergman e de Woody Allen, Trier não aposta todas as suas fichas nos personagens e, sim, na capacidade da plateia de compreendê-los e, desse modo, assimilar suas emoções mais ambíguas. Com boa vantagem, o filme que combina ternura e inteligência de maneira mais surpreendente da atual competição do Festival de Cannes, saia ou não vitorioso da premiação.

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