Rainha de muitos ritmos, Eliana Pittman dedica álbum a Jorge Aragão
Eliana Pittman chega aos 80 mostrando fôlego de sobra em uma reverência sofisticada a Jorge Aragão
Publicado: 03/06/2025 às 12:20

Cantora Eliana Pittman (Foto: Samuca Kim)
Alguns artistas envelhecem. Outros, como Eliana Pittman, simplesmente acumulam camadas de brasilidade. Sua voz, que já foi jazz nos anos 1960, carimbó nos 1970 e dramaturgia musical nos 2000, já está gravada a ouro na história da MPB. Com o álbum Nem Lágrima Nem Dor, em que promove um repertório dedicado a Jorge Aragão, ela surpreende mais uma vez. Não se trata apenas de um simples tributo, mas de um diálogo afiado e cheio de afeto entre uma intérprete inquieta e um dos grandes arquitetos do samba.
Eliana Leite da Silva nasceu no Rio de Janeiro, filha de mãe paulista e pai gaúcho, mas foi o padrasto, o saxofonista norte-americano Booker Pittman, quem a lançou na música. Adotou o sobrenome dele e começou a carreira em 1961, aos 16 anos, cantando jazz com uma maturidade que desmentia a idade.
Com ele, rodou o mundo antes de se firmar no Brasil, onde se tornou rainha do carimbó, apesar de não ter raízes paraenses. O nome herdado do pai adotivo era profético: Pittman, que em inglês pode remeter a “o homem das profundezas”, prenunciava uma artista que mergulharia fundo em múltiplas identidades.
Seis anos após o último disco solo, Ontem, hoje e sempre (2019), Eliana Pittman abre as asas para uma nova aventura, desta vez pelo samba melódico e lírico de Jorge Aragão, que, segundo ela, é simplesmente incomparável. “Se você parar para pensar nas músicas que ele fez, nas frases que escreveu... Dá até pra imaginar aquilo como um roteiro de clipe, sabe? Porque tem enredo. E, para mim, música precisa ter enredo. E Jorge Aragão tem', resume a cantora, em conversa exclusiva com o Viver.
Sob a produção inventiva de Rodrigo Campos e os metais vibrantes de Thiago França, Nem Lágrima, Nem Dor se desenha como uma releitura elegante e destemida. É Jorge Aragão, sim, mas também é, e muito, Eliana Pittman. “Hoje, infelizmente, muitos cantam sem respirar, sem pausa, sem entender a entrega da música. Mas eu sei como tem que ser”, crava a artista. Tendência (Ivone Lara e Jorge Aragão, 1981), Lucidez (Jorge Aragão e Cleber Augusto, 1991) e Eu e Você sempre (Jorge Aragão e Flávio Cardoso, 2000) são algumas das faixas que banham o disco de sutileza e sofisticação.
Essa capacidade de dialogar com mestres da música brasileira, aliás, sempre acompanhou Eliana. No fim dos anos 1960, quando também atuava como apresentadora da TV Jornal do Commercio, no Recife, seu faro apurado a levou a um então jovem Geraldo Azevedo, que se apresentava em bares da cidade. Ela não hesitou em convidá-lo para acompanhá-la no seu primeiro show solo, no Rio de Janeiro, e assim começaram a trabalhar juntos. “Só parei porque precisei ir pra Europa, mas ele ficou no Rio e virou esse sucesso que é até hoje. Sou fã número um do Geraldo Azevedo, pode ter certeza”, afirma.
Enquanto prepara um álbum de standards de jazz com a SP Pops Jazz Band do maestro Ederlei Lirussi, previsto para este ano, Eliana também verá sua história imortalizada na biografia escrita por Daniel Saraiva. Dois projetos que celebram oito décadas de uma vida dedicada à música, na qual a arte de ouvir e aprender sempre precedeu o momento de cantar — e encantar. “Precisamos caminhar para construir um espaço onde a arte tenha significado. E isso começa por aprender a interpretar as letras dos nossos grandes mestres”, conclui.

